Estando agora livre dos laços que o prendiam aos desejos terrenos, em seu desprezo pelo mundo, Francisco abandonou a cidade natal e procurou um lugar onde pudesse ficar a sós, alegre e despreocupado. Aí na solidão e no silêncio poderia ouvir as revelações secretas de Deus. Ia dessa forma pela floresta, alegre e cantando em francês os louvores do Senhor, quando dois ladrões surgiram do cerrado e caíram sobre ele. Ameaçaram-no e perguntaram quem ele era, mas ele respondeu corajosamente com as palavras proféticas: "Sou o arauto do Grande Rei". Bateram nele e o lançaram numa fossa cheia de neve, dizendo-lhe: "Fica por aí, miserável arauto de Deus". Francisco esperou que fossem embora, saiu da fossa, alegre, recomeçando com mais ânimo ainda sua canção em honra do Senhor (S.Boaventura - Legenda Maior, Cap.2, 5).
domingo, 25 de dezembro de 2011
Homilia do Santo Padre Papa Bento XVI, na Missa do Galo do Natal de 2011
domingo, 4 de dezembro de 2011
"Sois antes de tudo uma escola de perfeição cristã integral"
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Nada justifica a destruição
nem sequer de uma só vida humana
A Igreja não impede o progresso da ciência, pelo contrário guia-o a fim de que seja fecundo e de benefício para a humanidade. Afirmou o Papa durante a audiência concedida, sábado 12 de Novembro, aos participantes na conferência internacional sobre as estaminais, promovida pelo Pontifício Conselho para a Cultura.
Eminência
Queridos Irmãos Bispos
Excelências
Distintos Convidados
Queridos Amigos
Desejo agradecer ao Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, as suas amáveis palavras e por ter promovido esta Conferência Internacional sobre as Células estaminais adultas: a ciência e o futuro do homem e da cultura. Agradeço ao Arcebispo Zygmunt Zimowski, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, e ao Bispo Ignacio Carrasco de Paula, Presidente da Pontifícia Academia para a Vida, pela sua contribuição para este esforço particular. Dirijo uma palavra especial de gratidão aos numerosos benfeitores, cujo apoio permitiu este evento. A este respeito, gostaria de manifestar o apreço da Santa Sé pelo trabalho desempenhado por várias instituições a fim de promover iniciativas de carácter cultural e formativo de apoio à investigação de alto nível sobre as células estaminais adultas e estudar as implicações culturais, éticas e antropológicas relativas ao seu uso.
A pesquisa científica oferece uma oportunidade única para explorar as maravilhas do universo, a complexidade da natureza e a beleza peculiar do universo, inclusive a vida humana. Todavia, visto que os seres humanos possuem uma alma imortal e são criados à imagem e semelhança de Deus, existem dimensões da existência humana que estão além do que as ciências naturais são capazes de determinar. Se estes limites forem excedidos, corre-se o sério risco de que a dignidade única e a inviolabilidade da vida humana possam ser sujeitas a considerações puramente utilitaristas. No entanto se, pelo contrário, estes limites forem devidamente respeitados, a ciência pode dar uma contribuição notável para a promoção e a protecção da dignidade do homem: com efeito, nisto consiste a sua utilidade autêntica. O homem, o agente da pesquisa científica, por vezes, na sua natureza biológica, será o objecto desta investigação. Apesar de tudo, a sua dignidade transcendente dá-lhe o direito de permanecer sempre o beneficiário final da investigação científica e de nunca ser reduzido a seu instrumento.
Neste sentido, os benefícios potenciais da investigação sobre as células estaminais adultas são consideráveis, pois dá a possibilidade de curar doenças crónicas degenerativas reparando o tecido danificado e restabelecendo a sua capacidade de se regenerar. A melhoria que estas terapias prometem seria um significativo passo em frente na ciência médica, oferecendo uma nova esperança aos doentes e às suas famílias. Naturalmente, por esta razão, a Igreja encoraja aqueles que conduzem e apoiam pesquisas deste tipo, obviamente desde que sejam realizadas tendo em conta o bem integral da pessoa humana e o bem comum da sociedade.
Esta condição é fundamental. A mentalidade pragmática que muitas vezes influencia a tomada de decisões no mundo de hoje está sempre pronta para aprovar qualquer instrumento disponível para alcançar o objectivo desejado, apesar das amplas evidências das consequências desastrosas desta maneira de pensar. Quando o objectivo estabelecido é tanto desejável quanto a descoberta de uma cura para as doenças degenerativas, os cientistas e os políticos sentem-se tentados a ignorar todas as objecções éticas e a prosseguir com qualquer pesquisa que ofereça a perspectiva de sucesso. Aqueles que defendem a pesquisa sobre as células estaminais embrionárias com a esperança de conseguir este resultado cometem o erro grave de negar o direito inalienável à vida de todos os seres humanos desde a concepção até à morte natural. A destruição de uma só vida humana nunca pode ser justificada em termos do benefício que poderia presumivelmente ser alcançado por outra. Todavia, em geral, as questões éticas não surgem quando as células estaminais são retiradas dos tecidos de um organismo adulto, do sangue do cordão umbilical no momento do nascimento ou dos fetos que morreram por causas naturais (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, instrução Dignitas Personae, n. 32)
Por conseguinte o diálogo entre ciência e ética é de grande importância para garantir que os progressos médicos nunca sejam realizados pagando um preço humano inaceitável. A Igreja contribui para este diálogo ajudando a formar as consciência de acordo com a recta razão e à luz da verdade revelada. Ao fazer isso, procura não obstacular o progresso científico mas, ao contrário, orientá-lo numa direcção que seja verdadeiramente fecunda e benéfica para a humanidade. Com efeito, a Igreja está convencida de que tudo o que é humano, inclusive a pesquisa científica, "não só é acolhido e respeitado pela fé, mas é através dela purificada, elevada e aperfeiçoada" (ibidem, n. 7). Deste forma, a ciência pode ser ajudada a servir o bem comum da humanidade inteira, com especial atenção para os mais débeis e os mais vulneráveis.
Ao chamar a atenção para as necessidades dos indefesos, a Igreja não pensa apenas nos nascituros, mas também naqueles que não têm fácil acesso a tratamentos médicos dispendiosos. A doença não é selectiva com as pessoas e a justiça exige que seja feito qualquer esforço a fim de que todos os que dela necessitam possam beneficiar dos resultados da pesquisa científica, independentemente das suas possibilidades económicas. Além das considerações meramente éticas, é necessário enfrentar questões sociais, económicas e políticas para garantir que os progressos da ciência médica estejam a passo com uma oferta de serviços de saúde justa e equitativa. Neste sentido, a Igreja é capaz de oferecer assistência concreta através do seu vasto apostolado médico, activo em numeroso países do mundo, e destinado com uma preocupação especial às necessidades dos pobres do mundo. Queridos amigos, ao concluir as minhas observações, desejo garantir-vos a minha recordação especial na oração e confiar à intercessão de Maria, Salus infirmorum, todos vós que trabalhais tão assiduamente para levar curas e esperança aos que sofrem. Rezo a fim de que o vosso empenho na pesquisa sobre as células estaminais adultas dê abundantes bênçãos para o futuro do homem e enriquecimento autêntico à sua cultura.
Concedo de bom grado e de coração a minha Bênção Apostólica a vós, às vossas famílias, aos vossos colaboradores e a todos os enfermos que beneficiam da vossa generosa competência e dos resultados do vosso trabalho. Muito obrigado!
(©L'Osservatore Romano - 19 de Novembro de 2011)
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quarta-feira, 23 de novembro de 2011
O Senhor esteja "convosco"
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Orando com Dom Helder
Revista Paz e Bem - Ano 48 - Nº 301 - Janeiro/fevereiro - 2010
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Características de uma Autêntica Formação Franciscana
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
domingo, 30 de outubro de 2011
Como S. Francisco, estando com os companheiros a falar de Deus, ele apareceu no meio deles.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Orando com São Francisco
Da Paciência
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
A Chama do Ardor Missionário Franciscano Secular
D. Helder Câmara
São Francisco foi progressivamente tomando consciência do destino evangelizador da fraternidade, numa amplitude cada vez mais universal.
A experiência chave da vida de Francisco foi o encontro com o Evangelho, na chegada da primavera de 1208, quando escutou, durante a celebração da missa, a leitura do Evangelho de Mateus, capítulo 10, versículos 5 a 14. Após a missa, pediu ao sacerdote que explicasse o texto. Entendendo que Cristo queria que os apóstolos nada possuíssem, nem dinheiro, nem sapato, nem comida, mas, somente pregassem o Evangelho, ficou, profundamente tocado, respondendo: "creio e quero isso de todo coração". Inicia-se seu processo apostólico, sua vida missionária.
Podemos ler essa trajetória em 1 Cel XII, 29: "Por esse tempo, ingressou na Ordem um outro homem de bem, chegando a oito o número dos frades. Então, São Francisco chamando todos a si e tendo falado muitas coisas sobre o reino de Deus, o desprezo do mundo, a abnegação da própria vontade e a mortificação do corpo, dividiu-os dois a dois, por todas as partes do mundo, anunciando a remissão dos pecados. Sede pacientes, nas tribulações, confiando que o Senhor vai cumprir o que propôs e prometeu. Aos que fizerem perguntas, respondei com humildade; aos que vos perseguirem, abençoai e aos que vos caluniarem, agradecei, porque por meio disso tudo, nos está sendo preparado um reino celeste. E recebendo o mandato com gáudio e muita alegria eles se prostraram diante de São Francisco. Ele os abraçava e dizia com ternura e devoção a cada um: 'Põe teus cuidados no Senhor e ele cuidará de ti'. Frei Bernardo e frei Egídio foram para Santiago de Compostela. São Francisco e um companheiro escolheram outra região e os outros quatro foram, dois a dois, para os lados que restaram".
Celano continua nos relatando o processo missionário de São Francisco, escrevendo: "Ardendo em amor a Deus, o santo Pai Francisco sempre quis empreender as coisas as coisas mais difíceis... No sexto mês de sua conversão, inflamado em veemente desejo do santo martírio, quis navegar para a região da Síria para pregar a fé cristã e a penitência aos sarracenos e outros infiéis. Tomou um navio que ia para lá, mas sopraram ventos contrários e foi com outros navegantes parar na Esclavônia (Dalmácia e Croácia - Eslovênia)"
(I Cel XX, 55-56).), opondo-se
"Deixando o mar, Francisco, servo de Deus Altíssimo, caminhou por terra. Algum tempo depois, empreendeu uma viagem a Marrocos para pregar o Evangelho de Cristo ao miramolim e a seus sequazes. Seu entusiásmo era tanto que, as vezes, deixava para trás seu companheiro de viagem, na pressa de realizar seu intento, com verdadeira embriaguez espiritual. Mas, o bom Deus lembrou-se, em sua misericórdia de mim (Celano), opondo-se, frontalmente, quando já tínhamos chegado à Espanha, impedindo-o de continuar o caminho, por uma doença que o fez voltar atrás".
O projeto de Francisco de uma missão entre os sarracenos teria fracassado? O cardeal Guilherme Massaia OFM cap argumenta que, quanto maiores forem as contrariedades numa missão, tanto maior será a evidência do poder e da grandeza do Projeto de Deus.
Os biógrafos de São Francisco nos deixam, em suas páginas, muitos outros exemplos da caminhada missionária de Francisco e seus irmãos menores.
Frei João Franco Frambi OFM Cap
Assistente Espiritual Nacional da OFS - Revista Paz e Bem - Setembro/Outubro - 2010
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
domingo, 31 de julho de 2011
Vaticano pede que fiéis não sejam contrários a autoridade do Papa
France Presse
Roma, 13 Mai 2011 (AFP) -Os fiéis que pedem a celebração das missas em latim - retomadas em 2007 por Bento XVI - "não devem ser contrários a autoridade do Papa", informou um comunicado do Vaticano divulgado nesta sexta-feira.
A explicação é especialmente dirigida às correntes tradicionalistas da Igreja Católica, como o Movimento Lefebvrista, fundado pelo já falecido arcebispo Marcel Lefebvre, excomungado em 1988, que rejeita as abertura e modernização decididas durante o II Concílio do Vaticano (1962-1970).
A chamada "Universae Ecclesiae" sustenta que os fiéis que pedem pela celebração em latim "não devem pertencer ou apoiar grupos que se manifestam contrários a legitimidade do modelo (da missa) ou a autoridade do Papa".
Quatro anos após Bento XVI autorizar a celebração da missa em latim, o Vaticano estabelece normas para sua realização depois de ter consultado bispos de todo o mundo.
A tradicional missa tridentina - que começou a desaparecer nos anos 70, quando o Papa Paulo VI promoveu uma moderna forma de celebração -, é um rito em latim, com o sacerdote posicionado de costas para a congregação e com duração entre 45 e 60 minutos.
O comunicado desta sexta-feira relembra que Bento XVI afirmara em seu decreto de 2007 que ambas as liturgias, a antiga e a moderna, são apenas duas versões do "mesmo rito romano".
O Papa lembrou que seu antecessor, João Paulo II, já havia acordado em duas ocasiões (1984 e 1988) para que os bispos tivessem a faculdade de celebrar missas de acordo com a antiga liturgia e que seu objetivo era apenas extender a autorização.
Em alguns países, como a França, onde o movimento lefebvrista é seguido por muitos fiéis, a celebração da missa seguindo o antigo rito gerou conflitos entre grupos de fiéis e bispos, que consideram esse gesto uma espécie de "provocação".
quinta-feira, 21 de julho de 2011
LEIGOS FRANCISCANOS
Fraternidades em estado de missão
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)
Chamados a colaborar na construção da Igreja, como sacramento da salvação de todos os homens, e constituídos pelo Batismo e pela Profissão, testemunhas e instrumentos de sua missão, os franciscanos seculares anunciam Cristo pela vida e pela palavra ( cf. Regra 6). Seu apostolado preferencial é o testemunho pessoal no ambiente em que vivem e o serviço para a edificação do Reino de Deus nas realidades terrestres ( Constituições Gerais da OFS, art. 17, 1).
1. Vivemos no coração da Igreja. Nós, franciscanos, não formamos um grupo “à parte”. Temos plena consciência de que nascemos no seio da Igreja, de que Francisco nos queria ver servos e súditos desta mesma Igreja. Pensamos na Igreja com seus representantes oficiais colocados aí pelo Espírito e pensamos nessa imensa Igreja, Corpo Místico de Cristo, essa Igreja povo de Deus que caminha através dos tempos tentando edificar o Reino de Deus, essa Igreja que é sacramento, sinal de um mundo novo que é maior do que ela. Alimentamo-nos da vida de Deus no seio da Igreja, somos fiéis ao que para nos determina o sucessor de Pedro e queremos encontrar caminhos novos.
2. Conhecemos as transformações que vive o mundo em nossos tempos e sabemos que também a Igreja busca caminhos novos. Temos em elevado apreço o Documento de Aparecida que nos convida a sermos discípulos missionários. Somos, no entanto, convidados a olhar a realidade. Ficamos perplexos com o esvaziamento de muitas de nossas paróquias e, ao mesmo tempo, com as massas que acorrem para certas manifestações religiosas empreendidas por pessoas com carisma. Temos a impressão que as famílias e os jovens escaparam de nós. Há uma séria diminuição de pessoas que pedem os sacramentos do batismo e do matrimônio. Causa-nos admiração um evento como a passeata dos homossexuais em São Paulo reunindo mais de três milhões de pessoas. Não conseguimos acompanhar as famílias e nossa pastoral dos jovens está estacionada. Não se trata de querer ser pessimista, mas de olhar o que se passa.
3. Nossos grupos de franciscanos seculares vão fazendo sua caminhada. Há viçosas fraternidades novas, mais simples, com pessoas mais vocacionadas, grupos talvez menos devocionalistas. Lutamos pela conscientização do tema da identidade franciscana secular e aquele do senso de pertença. Somos obrigados, no entanto, a reconhecer um generalizado envelhecimento de não poucas fraternidades. Não desanimamos porque a obra não depende de nós. É do Senhor. Sempre confiantes no amanhã, porque está nas mãos de Deus e porque estamos unidos a Pedro e sua barca, temos, no entanto, o dever de nos interrogar a respeito de nossa vida e de nossa presença na Igreja.
4. Antes de mais nada temos o tesouro de nossas fraternidades e irmãos que se dispõem a servir, a lavar os pés uns dos outros e oferecerem seus préstimos ao evangelho. Na realidade constituímos um movimento de retorno ao Evangelho, quanto possível em sua pureza mais profunda. Vivemos num mundo plural. Nossas fraternidades serão lugares de exame dos grandes temas da fé e do mundo. O que é crer? Esperar o quê? O que significa escutar o Senhor hoje? Qual a missão do sacerdote? Como receber os sacramentos em plena veracidade? Nossas fraternidades precisam organizar dias de estudo, de aprofundados retiros. Somos convidados a pensar, discernir, não repetir por repetir. Não somos partidários de uma religião à la carte. Na Igreja somos pessoas de reflexão e buscar colocar vida em nosso interior. Não queremos viver derramados nas coisas.
5. Num mundo individualista, a Ordem Franciscana Secular viverá intensamente a fraternidade. Não apenas uma fraternidade interna, mas aberta ao plural, aos que chegam em nossos territórios, em nossa vizinhança, aos que conhecem percalços na vida no casamento, na falta de sentido de viver. Os que nos vêem deveriam poder dizer: “Vede como eles se amam!”
6. Precisamos de leigos maduros. Insistimos no adjetivo maduro. A maturidade cristã e franciscana serão perseguidas com garra: leigos que sejam leigos, leigos que gostem de estudar e de aprofundar sua fé, leigos que respondam para si e para os outros as questões existências: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? O que é viver com discípulo hoje?
7. Num mundo de mediocridade, num tempo em que se satisfaz apenas com as performances financeiras, sucesso exteriores os franciscanos seculares tendem à santidade. Isto se manifesta no cotidiano de vidas despojadas, alegres, cheias de esperança.
8. Não podemos esperar que as pessoas cheguem a nós. Há pistas que precisam ser descobertas entre nossas fraternidades e as pessoas lá onde vivem. Não seria esse o sentido de uma opção pela missão e pela evangelização? Leigos desejosos de seguir Francisco que se aproximam de nossas fraternidades sempre perguntarão: “O que vocês fazem pelos outros?”. Não querem apenas ser recebidos num ninho quente.
9. O centro de tudo é Cristo, vivo, ressuscitado, presente entre nós. Vivemos nele, nele existimos. Sem pieguice vivemos uma vida cristã. Não podemos nos dar por satisfeitos com uma pastoral sem alma, burocrática, feita de eventos mais ou menos grandiloqüentes. Não colaboraremos com um pastoral meramente sacramenalista. Temos vontade, por vezes, de retomar o espírito de evangelização anterior à conversão de Constantino ao cristianismo. Gostaríamos de poder ajudar a construir uma Igreja na lentidão da conversão. Queremos dar a nossa colaboração para que os sacramentos sejam efetivamente epifania do divino. De modo especial batismo, eucaristia e matrimônio precisam ser recebidos como eventos transformadores de existências e não meros ritos de passagem. Não queremos nos centrar na pastoral dos sacramentos, mas sabemos que eles são expressão de uma conversão. Desejamos fazer com as pessoas redescubram de verdade a proximidade de Cristo nesses sacramentos que serão recebidos com plena consciência. Eles deixaram de ser evangélicos e se tornaram ritos sem vida.
10. Salvador Valadez Fuentes, autor mexicano, em seu Espiritualidade Pastoral – Como superar uma pastoral “sem alma” ( Paulinas, 2008) num texto corajoso e provocador mostrando Paulo, como modelo de agente de pastoral, fala daquilo que os cristãos e agentes de pastoral podem fazer: recuperar a radicalidade e a surpresa de ser cristãos e apóstolos; cultivar um substrato de valores humanos onde se encarna a graça: coerência, sinceridade, lealdade, convicção, liberdade, desinteresse; respeitar e alentar os ritmos nos processos de fé e de conversão pessoal e comunitária; valorizar a cruz como elemento fecundo e de autenticidade à nossa missão; saber viver no conflito; promover a solidariedade eclesial em todos os níveis; centrar nossa vida cristã e ministério pastoral na fé, na esperança e na caridade, traduzidas em atitudes concretas; ter uma visão eclesial enraizada na Trindade como fundamento último de todo ministério pastoral; urgir o aspecto missionário da fé; entender e assumir a vida cristã como um combate; encarnar, à maneira de Paulo, as atitudes fundamentais de um agente: força, valentia, liberdade, alegria, recuperar a consciência de ser enviados; não alimentar cobiças nem pretensão de glória; exercer a autoridade como serviço amável; amar com um amor real até à morte, oferecer cuidados de bom pastor às comunidades” ( p. 50). Este texto nos fala de uma vida de missão e de pastoral cheia de mística, de fogo interior.
11. Estamos todos convencidos da importância da família em nossa vida pessoal. Como franciscanos seculares compreendemos bem a problemática desta pequena célula do mundo. Não podemos nos sentir alheios ao tema. O amanhã da humanidade, no dizer de João Paulo II, passa pela família. A Regra afirma: “Em sua família vivam o espírito franciscano de paz, de fidelidade e de respeito à vida, esforçando-se por fazer dela sinal de um mundo já renovado em Cristo. Os esposos, em particular, vivendo as graças do matrimônio, testemunhem no mundo o amor de Cristo por sua Igreja. Mediante uma educação cristã dos filhos, atentos à vocação de cada um, caminhem alegremente com eles em seu itinerário humano e espiritual” (n.17). Evangelizar nossa família, a família dos filhos, as famílias de fora. Na medida do possível seremos evangelizadores de nossa família e das famílias dos irmãos da fraternidade: uma comunidade de vida e de amor, indo do individualismo ao personalismo, lugar de encontro e de estruturação da pessoa, lugar de alimentação e de crescimento, espaço de acolhimento e de encontros, Igreja doméstica sem pieguice.
12. Não podemos imaginar o amanhã da Igreja e da Ordem sem liderança capacitadas, homens e mulheres, capazes de ler os sinais dos tempos, pessoas que reflitam e que coloquem por escrito aquilo que é o fruto de suas preocupações com o homem e o mundo. A Ordem Franciscana Secular terá preocupação de ter irmãos que façam cursos que valham a pena e se coloquem no meio do fogo.
13. Somos fraternidades em estado de missão. A fraternidade é o coração de nosso carisma. A primeira indicação dada pelo Senhor a respeito da credibilidade dos seus discipulos foi o famoso “vede como eles se amam”. O primeiro testemunho é dado por uma vida autenticamente fraterna, tanto na primeira como na terceira ordem. Deus nos ama, nos congrega e nos envia. Um autor italiano, Domenico Paoletti, OFM Conv., escrevendo a respeito da missão franciscana hoje no ocidente escreve: “A fé cristã encarnada no testemunho da fraternidade franciscana vivida com alegria e gosto é sinal luminoso de que evangeliza por irradiação e vive a missão mais como revelação do amor de Deus do que como um serviço funcional dirigido para particulares necessidades. Assim, a missão franciscana é antes de tudo tornar presente e lembrar que a comunhão fraterna, enquanto tal, já é missão pelo fato de contribuir diretamente para a obra da nova evangelização” (Miscellanea Francescana, t. 109, p.424). Mas atenção: uma fraternidade bem constituída, sinal do reino, levará também seus membros a ir dois a dois pelo mundo. Embora, a fraternidade seja, no dizer de alguém, “narração humana do amor divino”, será preciso ir, sempre ir.
14. Referindo-se mais aos frades, o autor do precedente estudo, continua: “A fraternidade, coração do carisma e da missão franciscana, hoje goza de particular atenção numa sociedade da técnica e dos relacionamentos friamente virtuais. A missão para Francisco, na escola do evangelho, é sempre o andar “dois a dois”. Nunca envia um frade sozinho pelo mundo. Os dois vão juntos reconciliados e levando reconciliação. A missionariedade é conseqüência da fraternidade “exodal” (de êxodo) e itinerante, características da fraternidade franciscana, que se põe em contraste com a tradicional “stabilitas”. Para os frades menores o mundo é seu claustro e cada homem seu irmão” Ela foi querida por seu fundador como “fraternidade extática” (em estado de êxtase) e não estática ou estética, como por vezes parece ser reduzida segundo cânones impostos pela cultura contemporânea da imagem: um frade com sandálias num claustro e cercado de gerânios. O centro da fraternidade franciscana está fora dela: em Deus e além dos limites de nosso mundo local e auto-referencial (...) A missão é, na realidade fecunda, somente quando brota de uma vida fraterna de profunda espessura evangélica que dá ao mundo o testemunho do amor do Deus Trindade. A presença-provocação da fraternidade franciscana hoje é uma verdadeira missão abrangente ao se apresentar como uma teologia narrativa do modo de amar de Deus. Trata-se de um “eloqüente” falar de Deus” (p. 425).
15. P. G. Cabra, citado pelo autor que mencionamos antes, escreve linhas contundentes sobre a fraternidade e sua ligação com o mistério da Trindade: “A um Deus comunhão corresponde uma igreja comunhão e tal exige a criação de comunidades fraternas, tanto as religiosas quanto as familiares, onde a realidade comunional se manifesta de forma legível. Uma Igreja sem fraternidades realizadas pode fazer a suspeita da pouca importância da Trindade. Que adianta confessar um Deus comunhão, quando na terra cada um pensa nos seus sucessos, quando a dimensão fraterna é sobrepujada pela dimensão individualista, quando a fraternidade é vista como um ideal abstrato, quando a eficiência imediata torna-se a preocupação principal, colocando na sombra todas as intenções que partam da fraternidade” (. P. 425).
16. Que dizer ainda? O amanhã de nossas fraternidades depende do hoje de nossos empenhos. A casa construída na medida em que o Senhor age. Não somos donos de tudo. Mas sabemos que tudo, dependendo de Deus, depende também de nós. Trata-se voltar ao primeiro amor e sentir no fundo da alma uma vontade efetiva de ir, de conversar, confabular com o mundo que nos escapa : jovens, famílias, credos. Não podemos administrar apenas o caos, o mundo daqueles que hoje estão cansados. Fraternidades missionárias, mas fraternidades que trabalhem na pastoral com discernimento e com espírito crítico. Não se trata de uma mera sacramentalizaçao, mas de mostrar às pessoas um mundo do beleza que conseguimos vislumbrar com Francisco e seu gênero de vida.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFMAssistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III
terça-feira, 19 de julho de 2011
Simplificar a Vida
2. Simplicidade, redução de exigências significa colocar-se à disposição dos outros. Não existimos para nós mesmos, para guardar em celeiros o que produzimos, para esconder nossos talentos dos outros.
3. Somos administradores dos bens e não proprietários. O Senhor no-los dá para serem partilhados. Há os bens, o dinheiro, uma herança que podem ser colocados à disposição dos irmãos da Fraternidade. Há esse jeito para falar, essa facilidade para instruir, esse carisma para aliviar a tristeza dos outros. Ser franciscano é recusar toda de acumulação indébita e desnecessária. Quanto mais damos e damos com generosidade, mais nos é propiciado.
4. Tocamos o tema do amor fraterno. A simplicidade de vida torna viável a convivência com os outros. O artigo das CCGG que estudamos está vinculado ao espírito de pobreza: somos administradores dos bens e não seus proprietários e assim, com nossas "economias" aliviamos as carências dos outros.
5. O texto nos leva ao despreendimento, despojamento que torna o franciscano secular uma pessoa alegre por poder conviver com os mais simples, não com espírito paternalista, mas na ânsia de criar comunhão. Os pobres de coração, os não complicados, criam laços com os que cercam.
6. A simplificação da vida faz com que os franciscanos seculares tomem posição contra o consumismo desregrado, Nos últimos quarenta anos, talvez, vivemos intensamente a sociedade do consumo. Não há como fugir: carros novos, aparelhos cada vez mais sofisticados, máquinas com inovações a cada momento. Consomem-se bens e consomem-se pessoas. E os que podem, deixam-se possuir pela febre de consumo. Compram por comprar. Acumulam por acumular. Vão se tornando pessoas sem critério de tal sorte que pensam valer pelo que possuem e sofrem quando têm que diminuir o status de vida. Há aqueles que, desempregados, choram por terem que vender o supérfluo para pagar o necessário.
7. A festa de casamento do filho de um terceiro franciscano se faz com alegria, mas sem ostentação. As comemorações e eventos são marcados por uma profunda alegria, mas nunca pelo desejo de competir e ofuscar os outros. Os franciscanos que viajam, por exemplo, e usufluem dos bens não deixam de participar da missa dominical sob qualquer pretexto. A sociedade do consumo não pode inocular o seu veneno naquele e naquelas que desejam seguir o Evangelho de Jesus Cristo em suas vidas.
8. "Os companheiros mais íntimos do fundador, que também estavam mais ligados à primitiva experiência, viram na simplicidade, unida inseparavelmente à pobreza, em suas mais variadas expressões no que dizia respeito à casa, mobilias, livros, vestes e coisas semelhantes, a inspiração e o próprio fundamento do movimento franciscano. Tudo devia respirar singeleza e pobreza, segundo a pureza evangélica, segundo a vocação dos Frades Menores e a profissão de testemunhas da esperança diante dos homens" (Legenda Perusina 75). (Dicionário Franciscano, p. 709).
9. Os que simplificam a vida não ficam muito preocupados com as oscilações da bolsa e coisas análogas. Esses vão se tornando leves, suas bagagens são cada vez mais reduzidas e assim podem alçar vôo na direção da pátria. Passam eles a idéia de que são peregrinos e viandantes nesta terra dos homens. E essa postura evangeliza e encanta aqueles que têm a graça de conviver com esses homens e essas mulheres simplificados em seu existir.
10. "A santa simplicidade era o ideal que o bem-aventurado queria atingir e era a virtude que ele gostava de encontrar nos outros, mas não uma simplicidade qualquer, e sim aquela à qual Deus é suficiente e para o qual todo o resto não é nada" (2Celano 189).
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (RJ)
Assistente Espiritual Nacional da OFS. Revista Paz e Bem, setembro/outubro-2007
terça-feira, 24 de maio de 2011
Documento de Aparecida - Aparecida e a Igreja visível deJesus Cristo
A Igreja nasce da missão de Jesus, é enviada por Ele; "é, exatamente, toda a Sua missão e a condição de evangelizador, que ela é chamada a continuar". A missão da Igreja origina-se da missão de Jesus. Jesus não pregou a si mesmo, mas o Reino de Deus: um novo relacionamento fraterno dos homens e mulheres entre si e com o Pai. Isto significa que a evangelização se realiza pelos caminhos da história. Ao mesmo tempo, "só uma Igreja evangelizada é capaz de evangelizar". "Evangelizadora, como é, a Igreja começa por se evangelizar a si mesma".
A Evangelii Nuntiandi teve o cuidado de ampliar o conceito de evangelização ao afirmar: "Para a Igreja não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos, cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar, pela força do Evangelho, os critérios de julgar: os valores que contam, os centros de interesses, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação".
Evangelizar os "novos areópagos"
A Igreja, com João Paulo II, toou consciência das repercussões que as mudanças sociais tiveram no quadro missionário. Sociedades pluralistas, vivendo fora da unanimidade socio-cultural-religiosa, sem referenciais cristãos, onde há populações descristianizadas ou pós-cristianizadas e grandes concentrações urbana, já não estão em contáto direto com a Igreja. Enfim, "reproduz-se a situação do Areópago de Atenas". Como São Paulo, precisamos ir a novos Areópagos anunciar o Evangelho, "usando uma linguagem adaptada e copreensível àquele ambiente!" Esses novos Areópagos estão "nos vários campos da civilização e da cultura, passando pela política e a economia". Destaca-se o mundo da comunicação. João Paulo II, na Redemptoris Missio, lembra outros "setores a serem iluminados pela luz do Evangelho", como "o empenho pela, o desenvolvimento e a libertação dos povos, a promoção da mulher e da criança; a proteção da natureza". Não se trata de sermos donos dos areópagos, mas de marcar presença neles, inculturando o Evangelho, com empenho, discernimento, respaldo moral e ético".
(Baseado no livro "As Conferências Episcopais: América Latina e Caribe. Fr Nilo Agostini OFM. Aparecida SP - Santuário 2007)
Revista Paz e Bem, Set/Out 2010
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Filho da Nação polaca
Origens e formação de Karol Wojty?a explicam muito sobre o seu pontificado
BERNARD LECOMTE De 27 de Abril está disponível na Itália o nosso especial para a beatificação de João Paulo II para o qual foi escrito o artigo que antecipamos. O autor acabou de publicar Le Roman des papes. De la Révolution française à nos jours (Monaco, Éditions du Rocher, 2011, 253 páginas).
"Eis que os veneráveis cardeais elegeram um novo bispo de Roma! Chamaram-no de um país distante...".
Na praça de São Pedro, naquele 18 de Outubro de 1978 a multidão irrompe em aplausos. Alguns minutos antes, da varanda da Bênção, o cardeal Pericle Felici anunciou o nome do eleito pelo conclave: "... cardinalem Wojty?a!". Houve um momento de surpresa. Quem? Um africano? Não, um polaco!
O nome do arcebispo de Cracóvia era quase desconhecido. Mas a surpresa em si já era grande: o novo Papa não era italiano! O colégio dos cardeais tinha interrompido uma tradição antiga de cinco séculos. Só mais tarde, ao ver João Paulo II dando os seus primeiros passos como Papa, os observadores compreenderam que o novo bispo de Roma não é só um "não italiano", mas é polaco.
Karol Wojty?a nasceu na Polónia em Maio de 1920, na época em que o seu país tinha acabado de readquirir a independência depois de cento e vinte anos de ocupação estrangeira. Filho do capitão, Karol Wojty?a, crescido no culto de Jozef Pilsudski, o vencedor da batalha do Vístula em Agosto de 1920, o futuro Papa é imerso num clima de fervor patriótico e de entusiasmo nacional. "O meu país só sobreviveu graças à sua cultura", dirá, sessenta anos mais tarde, num importante discurso na UNESCO. Ele, Polaco, sabe que a cultura não é o produto das forças económicas como afirmam os marxistas, mas da mente humana. E que a comunidade natural dos homens, a nação, é antes de tudo uma realidade cultural: "É pensando em todas as culturas", acrescenta o Papa diante da prestigiosa plateia em Junho de 1980, "que quero dizer em voz alta aqui: "Eis o Homem"!".
Não nos devemos admirar por ver este Papa pregar constantemente a realidade da nação, ao ponto de sugerir à ONU a elaboração de uma Carta dos direitos das Nações: "Não existem direitos do homem", diz, "onde os direitos da nação são violados". Não nos devemos admirar por ouvi-lo valorizar a história de cada nação, recordando a cada povo as suas raízes cristãs: quantos aniversários celebrou, os de santa Isabel (1981), são Casimiro (1984), são Metódio (1985), são Vladimiro (1988) e muitos outros, até ao baptismo da França por parte de Clodoveu (1996)!
Este Papa vindo de um país no qual o regime confiscou a história, não poupou esforços para recordar aos europeus que não deviam esconder as suas raízes cristãs. Assim em Santiago de Compostela em Novembro de 1982 disse: "Eu, Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal, de Santiago, elevo o meu brado com amor a ti, antiga Europa: "Reencontra-te a ti mesma. Sê tu mesma". Redescobre as tuas origens. Reaviva as tuas raízes. Volta a viver dos valores autênticos que tornaram gloriosa a tua história". Era preciso que o Papa fosse "filho da nação polaca" para ousar fazer afirmações semelhantes.
A Polónia não é um país como os outros. Na época em que o pequeno Karol cresceu em Wadowice, na Galícia ocidental, a Polónia era o país do mundo no qual havia mais judeus. A história da Europa decidiu assim. O seu melhor amigo, Zerzy Kluger, é judeu, como muitos dos seus companheiros de futebol ou de teatro: Goldberger, Selinger, Zweig, Beer e assim por diante. Quando a Polónia, depois da tomada do poder por parte dos coronéis em 1935, afunda no anti-semitismo de Estado, Karol sofre os efeitos devastadores daquele veneno: piquetes diante das lojas judaicas, insultos, pogrom, numerus clausus na universidade, e outros. Em 1945, quando são libertados os presos do campo de concentração de Auschwitz, não distante de Cracóvia onde viveu durante toda a guerra, o jovem Wojty?a descobre, com horror, até que nível de loucura os nazistas chegaram com a baixeza e o ódio.
Não devemos admirar-nos por ver, depois da sua eleição em 1978, o Papa polaco iniciar um longo e difícil processo de reconciliação entre cristãos e judeus: visita à grande sinagoga de Roma em 1986, reconhecimento do Estado de Israel por parte do Vaticano, "arrependimento" em relação ao antijudaísmo cristão, viagem extraordinária a Jerusalém em 2000, com uma visita ao museu do Yad Vashem e uma oração diante do Muro das lamentações. A imagem deste Papa que insere numa brecha do muro uma oração pessoal, com a sua mão que já tremia, permanecerá certamente nos livros de história. Um Papa africano, italiano, brasileiro ou francês teria feito tantos esforços neste sentido? É preciso recordar que foi do grande poeta Mickiewicz, emblema da Polónia eterna, que João Paulo II tirou a expressão "irmãos maiores" com a qual se dirigiu aos judeus?
Outro estigma indelével desta Polónia com um destino tão trágico: a brutal invasão nazista de 1 de Setembro de 1939, que marcou o início da Segunda Guerra Mundial. Estudante na Universidade de Cracóvia, Karol foge para o leste, juntamente com o seu pai, mas os dois homens voltam para trás perante a Armada Russa, que, cúmplice de Hitler, acabou de invadir o seu desventurado país. De regresso a Cracóvia, o jovem Wojty?a vive na própria carne as deportações, as execuções, o terror quotidiano. Nenhum país sofreu cinco anos de atrocidades como a Polónia, que nesse arco de tempo perdeu um sexto dos seus filhos. O pai de Karol, perturbado e prostrado, não sobrevive: morre em Fevereiro de 1941.
Face a esta história dramática, podemos admirar-nos do facto que João Paulo II tenha decidido lutar com todas as suas forças, dia após dia, pela paz? Desde a sua primeira intervenção para evitar a guerra entre o Chile e a Argentina em 1979, até aos numerosos esforços feitos - em vão - para evitar a guerra entre os Estados Unidos e o Iraque em 2003, João Paulo II orientou todas as forças da Santa Sé para a defesa da paz. Envolveu até na sua luta os representantes de todas as religiões do mundo, em Assis, no Outono de 1986, num encontro inédito que permanecerá um tempo forte do seu pontificado.
E depois, logo que saiu dos horrores da guerra, a Polónia de Karol Wojty?a sofreu outro grande totalitarismo do século XX: o comunismo. Jovem sacerdote, depois jovem bispo, Wojty?a esforça-se por não se intrometer na luta política, até quando toma conhecimento com estupefacção de que o governo polaco capturou e aprisionou o cardeal Stefan Wyszynski, primaz da Polónia. Mas a política apodera-se de novo dele: quando os habitantes do novo bairro Nowa Huta, na sua diocese, decidem construir uma igreja não obstante a oposição do partido comunista, em 1963, o bispo Wojty?a celebra ostentadamente uma missa à meia-noite em público!
Arcebispo e cardeal, o futuro João Paulo II forjou pouco a pouco uma verdadeira teologia dos direitos do homem, que coincidia com as aspirações de todos os que, no Leste, pensavam "de maneira diversa", em particular os dissidentes.
É este homem que, a partir de 1978, multiplicará as palavras e os gestos a favor dos direitos do homem, começando pela sua primeira encíclica, Redemptor hominis, que redige pessoalmente, em polaco, e que é publicada a 4 de Março de 1979. Se fosse preciso resumir este importante texto em poucas palavras, elas seriam: "Prioridade ao homem!". Ao próprio homem, ou seja a cada um de nós, ao homem real, encarnado, que deve ser, como repetirá muitas vezes, "o caminho da Igreja". João Paulo II contará a seguir que "trazia em si" esta encíclica que reflectia "aquilo que já vivia desde o início do seu pontificado".
Alguns meses mais tarde, em Junho de 1979, a primeira viagem no seu país natal, o que significa por detrás da cortina de ferro, é um verdadeiro terramoto naquela Europa que, como dirá, está acidentalmente "cortada em duas". O apoio do Papa ao sindicato Solidarno??, sobretudo depois da instauração do estado de guerra na Polónia, em Dezembro de 1981, depois as outras duas visitas pastorais que realiza em 1983 e em 1987, mas também a esperança que suscitou em todas as populações próximas da Europa oriental - incluída a Lituânia e a Ucrânia ocidental, no próprio coração da União soviética - farão do "Papa eslavo" um actor importante do processo que levou à queda do bloco comunista.
Sob este aspecto, foi com frequência criticada a João Paulo II a sua oposição à "teologia da libertação", expressa em Puebla (México) precisamente no início daquele famoso ano de 1979. É preciso compreender bem que este Papa de evidente peso político nunca atraiçoou os opressores destes países, exigindo que as Igrejas locais se comprometessem corajosamente pela "opção preferencial pelos pobres". O que o Papa polaco não podia aceitar era que algumas "comunidades de base" latino-americanas se infiltrassem, em nome do Evangelho, na ratoeira da luta de classes: que um dia, sacerdotes pudessem empunhar as armas contra alguns dos seus bispos acusados de frequentar demasiado de perto ditadores locais, eis o que era impensável para este Papa vindo do Leste.
Polaco, João Paulo II permaneceu-o até ao fim da sua vida. Se não tivesse sido formado no âmbito de uma Igreja tão dinâmica quão conservadora, teria prestado tanta atenção à conservação de tradições e ritos de outrora, como a procissão do Corpus Domini, o culto do Santíssimo Sacramento ou a recitação do Rosário? Teria sido tão decididamente contrário ao matrimónio dos sacerdotes ou ao sacerdócio das mulheres? Por fim, teria sido tão tenazmente apegado aos valores familiares tradicionais, tão radicados no seu país natal?
João Paulo II mostrou-se até ao fim fiel aos seus anos de formação e de sacerdócio. Manteve sempre com paixão o culto da Virgem Maria, querido ao coração de todos os polacos, a ponto de dedicar solenemente o seu pontificado, a Igreja e o mundo inteiro à Mãe de Deus. Foi à Virgem Maria de Kalwaria Zebrydowska que dirigiu as suas orações com o pai desde a infância, depois à de Kz?stochowa, tão querida a todos os seus conterrâneos, que reencontrará em Guadalupe, em Fátima, em Lourdes, e em todos aqueles santuários onde as suas viagens no mundo inteiro o levaram.
Outro aspecto original do seu pontificado é que beatificou e canonizou mais pessoas de quanto tenham feito todos os seus predecessores. A ideia muito moderna segundo a qual os santos são modelos para todas as nações do mundo vem-lhe claramente da sua juventude transcorrida na devoção a são José, a são João da Cruz, a são Luís Maria Grignon de Montfort - do qual tirou emprestado o seu mote Totus Tuus - e a tantas figuras prestigiosas da história da Igreja. Não é porventura um sinal da Providência que a beatificação deste Papa coincida com a recordação de santa Faustina Kowalska, a jovem polaca, encarnação da Misericórdia divina, que ele mesmo canonizou durante o Grande Jubileu do ano 2000?
Por fim, o maior paradoxo do longo pontificado de João Paulo II provém indubitavelmente da sua nacionalidade. Este pontífice tão orgulhoso das suas origens polacas e tão atento aos direitos das nações, justamente estimulou a Igreja católica a ser cada vez menos "romana" e sempre mais universal. Um Papa italiano, quaisquer que fossem as suas virtudes, teria podido encarnar a tal ponto a comunidade católica mundial, cujo centro de gravidade se situa hoje mais no hemisfério sul do que em volta do Mediterrâneo?
De sínodo em consistório, o Papa vindo da Polónia internacionalizou a Cúria de modo irreversível. Durante as suas viagens apostólicas fora de Roma - das quais mais de cem fora da Itália - transportou pessoalmente o governo da Igreja em todos os recantos do planeta. Depositário de uma cultura bimilenária, atento à unidade de uma comunidade de mais de um bilião de indivíduos, o primeiro Papa polaco da história fez entrar os católicos de todo o mundo no III milénio com a ideia de que a Igreja deve ser, como jamais o foi, a Igreja de todos os homens.
(©L'Osservatore Romano - 30 de Abril de 2011)
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domingo, 1 de maio de 2011
sexta-feira, 29 de abril de 2011
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Feliz Páscoa !
Paz, bem e feliz Páscoa!
Que Deus nos ajude
a percebermos Sua mensagem de vida
(e vida em abundância) para todos,
mesmo quando o mensagairo, a mensageira,
é alguém que não esperamos
que traga este tipo de mensagem.
E que não desanimemos
quando nós formos os mensageiros, as mensageiras,
e não acreditarem no que anunciamos.
Eugenio, OFS
Iustração:
Cristo e as duas Marias / William Holman Hunt. ca. 1897. Adelaide : Art Gallery of South Australia. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:William_Holman_Hunt_-_Christ_And_The_Two_Marys.jpg acesso em 20 abr. 2011.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Onde está o centro do mundo
Estávamos de joelhos ao lado do leito de João Paulo II. O Papa jazia na penumbra. A luz discreta da lâmpada iluminava a parede, mas ele estava bem visível.
Quando chegou a hora sobre a qual, poucos instantes depois, todo o mundo estava ao corrente, improvisamente o arcebispo Dziwisz levantou-se. Acendeu a luz do quarto, interrompendo assim o silêncio da morte de João Paulo II. Com voz comovida, mas surpreendentemente firme, com o típico sotaque montanhês, alongando uma das sílabas, começou a cantar: "Nós louvamos-te, Deus, proclamamos-te Senhor".
Parecia um tom proveniente do céu. Todos olhávamos admirados Pe. Stanis?aw. Mas a luz acesa e o cântico das palavras que seguiam - "Ó eterno Pai, toda a terra te adora..." - dava a certeza a cada um de nós. Eis - pensávamos - encontramo-nos numa realidade totalmente diversa. João Paulo II faleceu: quer dizer que ele vive para sempre.
Embora o coração soluçasse e o pranto apertasse a garganta, recomecámos a cantar. A cada palavra a nossa voz tornava-se mais segura e forte. O cântico proclamava: "Vencedor da morte, abriste aos crentes o reino dos céus".
Assim, com o hino do Te Deum, glorificámos Deus, bem visível e reconhecível na pessoa do Papa.
Num certo sentido, esta é também a experiência de todos os que o encontraram durante do pontificado. Quem entrava em contacto com João Paulo II, encontrava Jesus, que o Papa representava com todo o seu ser. Com a palavra, o silêncio, os gestos, o modo de rezar, a maneira de se orientar no espaço litúrgico, a contemplação na sacristia: com todo o seu modo de ser. Nota-se isto imediatamente: era uma pessoa repleta de Deus. E para o mundo tinha-se tornado sinal visível de uma realidade invisível. Inclusive através do seu corpo atormentado pelo sofrimento dos últimos anos.
Com frequência bastava olhar para ele para descobrir a presença de Deus e, assim, iniciar a rezar. Bastava para ir confessar-se: não só pelos próprios pecados, mas por não ser santo como ele.
Quando deixou de caminhar e, durante as celebrações tornou-se totalmente dependente dos mestres-de-cerimónias, comecei a dar-me conta de que tocava uma pessoa santa. Talvez eu tenha irritado os penitencieiros vaticanos quando, antes de cada celebração, ia confessar-me, seguindo um imperativo interior e sentindo uma forte necessidade disso. Precisava de receber a absolvição para estar ao lado dele.
Quando se está ao lado de uma pessoa santa, quando o homem de qualquer modo toca a santidade, esta irradia-se em toda a pessoa. Mas, ao mesmo tempo, experimenta-se pessoalmente também a tentação: evidentemente ao espírito maligno não agrada o ar de santidade.
Quando, por volta das 3 da madrugada, saí do apartamento do Palácio Apostólico, no Borgo Pio havia grande multidão: todos caminhavam no silêncio mais contemplativo. O mundo tinha parado, estava ajoelhado e chorava. Havia quem chorava só pelo facto de ter perdido uma pessoa amada e depois regressava a casa assim como tinha vindo. E quem, às lágrimas exteriores, unia as interiores, que brotavam do sentir-se inadequados e infiéis diante do Senhor. Este pranto era bendito. Era o início do milagre da conversão.
Nos dias seguintes e até ao funeral do Papa, Roma tornou-se um cenáculo: todos se compreendiam, mesmo se falavam línguas diversas.
Estive em contacto com o Papa por sete longos anos: durante a sua vida, mas também quando a sua alma se separou do corpo. No momento da morte, permanecem a nós só os despojos que se transformarão em pó: o corpo desaparece e a pessoa é recebida no mistério de Deus.
Entre as tarefas dos mestres-de-cerimónias está também a de cuidar do corpo do Papa defundo. Fi-lo por sete longos dias, até ao funeral. Pouco depois da sua morte, vesti João Paulo II juntamente com três enfermeiros que se tinham ocupado dele por muito tempo. E embora tivesse já passado uma hora e meia do falecimento, eles continuavam a falar com o Papa como se falassem com o próprio pai. Antes de lhe colocar a túnica, a alva, a cásula, beijavam-no, acariciavam-no e tocavam-no com amor e reverência, exactamente como se se tratasse de uma pessoa de família.
A sua atitude não manifestava só a devoção ao Pontífice: para mim representava o tímido anúncio de uma beatificação próxima.
Talvez por isso nunca rezei intensamente pela sua beatificação, desde o momento que já tinha começado a participar nela.
Todos os dias celebro a Eucaristia nas Grutas do Vaticano. Observo como os funcionários da basílica e todos os que vão para o trabalho nos diversos organismos e departamentos do Vaticano, os gendarmes, os jardineiros, os motoristas, começam o dia com um momento de oração junto do túmulo de João Paulo II: tocam a lápide e beijam-na. É assim todas as manhãs.
Desde o ano 2000 o Papa começou a debilitar-se cada vez mais. Caminhava com muita dificuldade. Preparando o grande Jubileu com o arcebispo Piero Marini esperávamos que pelo menos ele pudesse abrir a porta santa. Era quase impossível pensar no futuro.
Enquanto me encontrava nas montanhas polacas, uma vez ouvi esta afirmação: "Ainda não nos conhecemos, porque não sofremos juntos". Com D. Marini participamos por cinco anos dos sofrimentos do Papa, no seu heróico combate consigo mesmo para suportar a dor.
Vêm-me à mente as palavras do salmo 51: "Aspergi-me com um ramo de hissopo e ficarei puro", que podem ser entendidas também assim: "Toca-me com o sofrimento e serei puro".
Estar com João Paulo II significava viver no Evangelho, estar dentro do Evangelho.
Nos últimos anos do serviço ao lado dele dei-me conta de que a beleza está sempre ligada ao sofrimento. Não se pode tocar Jesus sem tocar a cruz: o Pontífice estava tão cansado, pode-se dizer atormentado pelo sofrimento, mas extremamente radioso, enquanto com alegria ofereceu tudo o que recebeu de Deus e com júbilo restituiu a Deus tudo o que dele teve. De facto, a santidade - como dizia Madre Teresa de Calcutá - não significa que oferecemos tudo a Deus, mas que Deus retoma de nós tudo o que nos deu.
O atleta que caminhava e esquiava nas montanhas agora tinha deixado de caminhar; o actor tinha perdido a voz. Pouco a pouco foi-lhe tirado tudo.
Antes de iniciar as exéquias, D. Dziwisz e D. Marini cobriram o rosto do Papa com um tecido de seda, um símbolo de significado profundo: toda a sua vida foi coberta e escondida em Deus.
Enquanto realizávamos este gesto, eu estava ao lado do féretro e segurava o Evangeliário, outro sinal forte. João Paulo II não se envergonhava do Evangelho. Vivia segundo o Evangelho. Resolvia à luz do Evangelho todos os problemas do mundo e da Igreja. Em conformidade com o Evangelho construiu toda a sua vida interior e exterior.
O mistério de João Paulo II, isto é a sua beleza, exprime-se muito bem através da oração de Papa Clemente XI que se encontrava nos antigos breviários: "Quero tudo o que tu queres, quero porque tu queres, quero como e quando o queres". Quem pronuncia estas palavras com o coração torna-se como Jesus que, humilde, se esconde na hóstia e se oferece para ser consumado. Quem faz próprias estas palavras começa a viver com o espírito de adoração do Santíssimo Sacramento.
Seguindo o Pontífice nas viagens apostólicas, durante as longas travessias, perguntava-me com frequência: onde está o centro do mundo?
Treze dias depois da eleição, com alguns dos seus colaboradores, o Papa visitou a Mentorella, nas proximidades de Roma, o santuário da Mãe das Graças. Perguntou aos seus companheiros de viagem: "O que é mais importante para o Papa na sua vida, no seu trabalho?". Sugeriram-lhe: "Talvez a unidade dos cristãos, a paz no Médio Oriente, a destruição da cortina de ferro...?". Mas ele respondeu: "Para o Papa o mais importante é a oração".
No meu país existe este ditado: "O rei está nu diante dos olhos dos seus servos". Quanto mais íamos conhecendo João Paulo II, tanto mais nos convenciamos da sua santidade, víamo-la em cada momento da sua vida. Ele não escondia Deus.
Se quisesse indicar o que é mais importante para a vida sacerdotal e para cada um de nós, olhando para ele poderia dizer: não esconder Deus em si, mas ao contrário, mostrá-lo e tornar-se o sinal visível da sua presença. Ninguém viu Deus, mas João Paulo II tornou-o visível através da sua vida.
Quando ele rezava, eu tinha a impressão que se prostrasse aos pés de Jesus. Quando rezava, no seu rosto era visível a confiança total em Deus. Era deveras transparente; era, para usar uma imagem poética, como o arco-íris que une o céu à terra e a sua alma corria pelas escadas que da terra levam ao céu. Volto agora à pergunta: "Onde está o centro do mundo?".
Gradualmente comecei a dar-me conta de que o centro do mundo era sempre onde eu estava com o Papa: não porque estava com João Paulo II, mas porque onde quer que ele estivesse, rezava. Entendi que o centro do mundo está onde eu rezo, onde estou junto com Deus, na união mais íntima que existe: a oração. Estou no centro do mundo quando caminho na presença de Deus, quando "nele realmente vivo, me movo e existo" (cf. Act 17, 28). Quando celebro ou participo na Eucaristia estou no centro do mundo; quando confesso e me confesso, no confessionário está o centro do mundo; o lugar e o tempo da minha oração constituem o centro do mundo porque, quando rezo, Deus respira dentro de mim. O Papa permitiu que Deus respirasse através dele: todos os dias passava muito tempo diante do tabernáculo. O Santíssimo Sacramento era o sol que iluminava a sua vida. E ele diante daquele sol ia aquecer-se com a luz de Deus.
A vida de João Paulo II era embebida de oração. Tinha sempre nas mãos o terço, com o qual se dirigia a Maria, confirmando o seu Totus tuus.
Quando, depois do infortúnio de 1991, o cardeal Deskur ofereceu ao Papa um recipiente com água de Lourdes e lhe disse: "Santidade, quando lavar a parte dolorosa, deverá recitar a Ave-Maria". João Paulo II respondeu: "Caro Cardeal, eu digo sempre a Ave-Maria".
A minha tarefa no Departamento das Celebrações Litúrgicas consiste em cuidar, sob a guia do mestre, as celebrações pontifícias e não escrever artigos ou preparar conferências. Foi assim por treze anos. Depois de 2 de Abril de 2005, quando me pedem para dar testemunho sobre João Paulo II, respondo com frequência: "Sim, com grande alegria!". E convido a participar todas as quintas-feiras na missa diante do seu túmulo nas Grutas do Vaticano. Da mesma forma convido a ir à igreja de Santo Espírito "in Sassia", onde todas as tardes se recita o terço da divina Misericórdia seguida pela Via-Sacra. Às quintas-feiras à tarde, no meu apartamento, reúnem-se sacerdotes que trabalham ou estudam em Roma, religiosas e leigos. Juntos recitamos as vésperas, rezamos e sentamo-nos à mesa comum. Reunir-se em oração e estar juntos para se encontrar no centro do mundo: aprendi isto de João Paulo II.
Não me admira que o Papa seja beatificado no domingo da divina Misericórdia, não obstante seja uma surpresa da Providência o facto de que este ano coincida com o dia 1 de Maio. Assim naquele dia falar-se-á principalmente de santidade. Bento XVI e João Paulo II transformarão esta celebração num evento religioso inédito na história: uma procissão de Maio rumo à santidade e à oração.
(©L'Osservatore Romano - 2 de Abril de 2011)
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