Estando agora livre dos laços que o prendiam aos desejos terrenos, em seu desprezo pelo mundo, Francisco abandonou a cidade natal e procurou um lugar onde pudesse ficar a sós, alegre e despreocupado. Aí na solidão e no silêncio poderia ouvir as revelações secretas de Deus. Ia dessa forma pela floresta, alegre e cantando em francês os louvores do Senhor, quando dois ladrões surgiram do cerrado e caíram sobre ele. Ameaçaram-no e perguntaram quem ele era, mas ele respondeu corajosamente com as palavras proféticas: "Sou o arauto do Grande Rei". Bateram nele e o lançaram numa fossa cheia de neve, dizendo-lhe: "Fica por aí, miserável arauto de Deus". Francisco esperou que fossem embora, saiu da fossa, alegre, recomeçando com mais ânimo ainda sua canção em honra do Senhor (S.Boaventura - Legenda Maior, Cap.2, 5).

terça-feira, 10 de agosto de 2010

RESTAURAÇÃO DA IGREJA DE SÃO DAMIÃO. A VIDA DAS RELIGIOSAS QUE ALI MORAVAM.

A primeira obra que o bem-aventurado Francisco empreendeu depois que obteve total liberdade da parte de seu pai carnal foi edificar a casa de Deus. Mas não a reconstruiu de novo, consertou o que era velho, reparou o que era antigo. Não desfez os alicerces mas edificou sobre eles, reservando essa prerrogativa, mesmo sem pensar, ao Cristo: ninguém pode pôr outro fundamento senão o que foi posto: Cristo Jesus.
Voltou pois ao lugar em que, como dissemos, fora construída antigamente uma igreja de São Damião. Com a graça do Altíssimo, reparou-a cuidadosamente em pouco tempo.
Essa foi aquela casa feliz e abençoada em que teve auspicioso início a família religiosa e nobre Ordem das Senhoras Pobres e santas virgens, quase seis anos depois da conversão do bem-aventurado Francisco e por seu intermédio. Nela estabeleceu-se Clara, natural de Assis, como pedra preciosa e inabalável, alicerce para as outras pedras que haveriam de sobrepor. Pois já tinha começado a existir a Ordem dos Frades quando essa senhora foi convertida para Deus pelos conselhos do santo homem, servindo assim de estímulo e modelo para muintas outras. Foi nobre de nascimento e muinto mais pela graça. Foi virgem no corpo e puríssima no coração; jovem em idade mas amadurecida no espírito. Firme na decisão e ardentíssima no amor de Deus. Rica em sabedoria, sobressaiu na humildade. Foi Clara de nome de, mais clara por sua vida e claríssima em suas virtudes.
Sobre ela foi edificada uma estrutura das mais preciosas pérolas, cujo louvor não vem dos homens mas de Deus. É impossível compreendê-la com nossa estreita inteligência e apresentá-la em poucas palavras.
Antes de tudo, elas possuem a virtude da mútua e constante caridade, que a tal ponto une suas vontades que, vivendo em número de quarenta ou cinquenta em um mesmo lugar, parecem ter uma só vontade e uma só opinião. Brilha também em cada uma a jóia da humildade, que conserva os dons recebidos do céu e lhes merece outras virtudes. O lírio da virgindade e da pureza perfuma-as todas, a ponto de esquecerem os pensamentos terrenos e desejarem apenas meditar nos celestiais. Essa fragância acende em seus corações tão grande amor pelo Esposo eterno, que a sinceridade desse afeto sagrado apaga todas as lembranças da vida passada. São exornadas de tão grande pobreza que nunca se permitem satisfações no comer e no vestir, mas só o que é de necessidade extrema.
Adquiriram a graça especial da abstinência e do silêncio, a ponto de não precisarem esforçar-se para coibir os apetites carnais e refrear a língua. Algumas delas já se desacostumaram tanto de falar que, quando precisam, mal conseguem lembrar-se de como se formam as palavras. Todas são adornadas pela virtude da paciência, de modo que nenhuma adversidade ou moléstia chega a perturbá-las ou alterá-las. Afinal, chegaram a tal nível de contemplação, que nela aprendem tudo o que devem fazer ou deixar de fazer e aprenderam a se arrebatar por Deus, dedicando a noite e o dia aos louvores divinos e à oração. Digne-se o eterno Deus, com sua santa graça, dar conclusão ainda mais santa a esse santo começo. Baste por enquanto isso que dissemos sobre as virgens consagradas ao Senhor, devotas servas de Cristo, pois sua vida admirável e a glroriosa instiutição que receberam do Papa Gregório, quando ainda era bispo de Óstia, pedem uma obra à parte. ( I Cel, Cap.8).
















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