Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Aos poucos as irmãs, instaladas em São Damião, vão descobrindo o seu caminho. Não nos esqueçamos que, nesse início, elas eram não eram mais do que três. A descrição que segue é de Chiara Giovanna Cresmaschi, no seu sólido trabalho Chiara di Assisi. Un silenzio chi grida (p. 51ss). Tudo simples, sem “manual de uso”. Um vida inventada, iluminada pelo carisma de Francisco. Uma novidade na Igreja.
1. Vida eremítica fraterna
• Entre as três companheiras não há uma autoridade em sentido estrito, mesmo que seja Clara, com seu exemplo, quem vai abrindo o caminho. Pode-se dizer que o gênero de vida experimentado ali se assemelha ao que, mais tarde, Francisco descreveria na sua pequena Regra para os eremitérios. As três irmãs assumem, cada uma a seu turno, o papel de Maria, dedicando-se à contemplação e, depois o de Marta, que se ocupa daquilo que é necessário para a vida de todos os dias, ou seja, o trabalho.
• Pode-se dizer que, ao longo do dia, as irmãs rezavam partes da Liturgia das Horas seguida de uma vigília noturna. Não se pode afirmar que a recitação de todas as partes da Liturgia das Horas se fazia, desde o começo, em São Damião. Não se deve esquecer que o preço dos livros para o ofício era tão caro quanto à compra de um campo. Por isso, havia o costume de se copiar à mão os textos da liturgia, o que demandava tempo e produzia cansaço. Para os frades menores, isso se tinha tornado materialmente mais fácil com a chegada dos primeiros irmãos sacerdotes, que podiam colocar à disposição seus breviários para serem pacientemente copiados.
• Assim, nos primórdios de São Damião sobrava muito tempo para a oração pessoal, para deixar que a Palavra chegasse ao fundo do coração e conduzisse ao diálogo silencioso com o Tu divino na contemplação de seu mistério.
• Perto de São Damião moravam frades que pediam esmolas de porta em porta, também para a sobrevivência das irmãs. No começo o resultado do peditório não era grande coisa. Os frades não contavam ainda com a simpatia da população. Havia também uma desconfiança para com essas mulheres que tinham deixado suas belas residências na cidade para viverem daquela maneira tão indigente, tão indigna de sua classe social. Devido ao fato de terem pouca coisa para cozinhar, sobrava tempo para a irmã da cozinha se dedicar à oração. Logo se cultivará uma pequena horta com verduras e legumes para a subsistência das irmãs. A falta de bens materiais não é motivo de tristeza, mas causa de alegria. Incentivadas por Clara, as irmãs simples e alegremente se aproximam do “mesa do Senhor” e rendem graças na alegria do Espírito. O entusiasmo dos começos facilita suportar a situação, mas é Cristo Jesus quem lhes dá força. A contemplação de Cristo em todos os seus mistérios e vivamente presente, como que respirado naquele clima de silêncio, é que alimenta a comunhão de amor com o Deus Trino e as irmãs.
2. Como os menores
• Estas mulheres aristocráticas fazem uma opção de classe. Colocam-se voluntariamente entre os últimos da sociedade, daqueles que não têm direitos e a todos estão sujeitos. A escolha da veste já revela sua condição social. No dia-a-dia da vida procuram adquirir a mentalidade do pobre que coloca toda a sua confiança no Senhor. Foram, com efeito, aprendendo a espiritualidade do pobre através da meditação dos salmos e do seu relacionamento com os deserdados que batiam à porta pedindo um pedaço de pão. Mesmo vivendo de esmolas partilhavam com os outros a riqueza de sua pobreza. Pobres voluntariamente elas experimentam praticamente a insegurança a respeito do amanhã como a mãe que não sabe como alimentar nos dias seguintes os filhos famintos. Fazem, assim, a importante experiência da insegurança. Clara e suas irmãs compreendem a força da palavra do Evangelho: aquele que nutre os pássaros dos céus e veste os lírios do campo não deixará faltar roupa e alimento para os que a ele se confiam (cf. Mt 6,26-28). Esta passagem vai aparecer mais tarde no Privilégio da Pobreza.
3. Três irmãs num único Amor
• A atitude do pobre, que tudo espera do Pai, está estreitamente associada à solidariedade típica dos camponeses. Vivem as irmãs juntas, reunidas pelo mesmo Espírito, e sabem que ele continua sendo derramado em suas vidas no seu dia-a-dia. A necessidade de inventar um caminho próprio a ser percorrido, um estilo próprio de vida faz com que as irmãs se dediquem o mais possível à oração silenciosa, porque somente o diálogo com Este que as irmãs querem seguir apaixonadamente abrirá caminhos. Era necessário discernir. O estar juntas, a concreteza de serem irmãs para as quais basta um olhar, uma mão que se estende para ajudar a que um peso seja mais facilmente carregado, essa condição de fraternidade ou se sororidade se faz no diálogo. Assim, de modo informal, sem prescrições pormenorizadas, começa a tomar corpo aquilo que depois se denominaria de Capítulo semanal. No momento havia a escuta da Palavra e a certeza de como esta se torna vida. Há também a consciência da própria fraqueza buscando a ajuda fraterna. Não poderia deixar de haver uma conversa a respeito da organização da vida de cada dia, como a busca de solução para perguntas que iam surgindo. Nasce assim o fazer juntos, a corresponsabilidade que emergirá da Forma de Vida de Clara e que constitui uma das características mais essenciais e singulares para a sua época. Trata-se de um modo de estarem juntas pouco estruturado, marcado por uma calorosa comunhão fraterna que nada perderá de seu ardor quando as irmãs se tornarem mais numerosas e se revestirá de modalidades mais minuciosas. Calor humano favorecido pelo fato que elas se conhecem e fazem aparecer os traços de uma amizade no Espírito. Cria-se um clima familiar.
4. O trabalho
• Um dos aspectos da vida que era muito levado em consideração era a questão do trabalho. As irmãs se ocupavam em fiar, tecer e bordar. Normalmente se pode crer que tinham os instrumentos para o trabalho. O destino do resultado ou do fruto do trabalho será decidido mais tarde. Desde o início, ficou claro que as irmãs deveriam trabalhar com as próprias mãos. Seria marca de seu estilo de vida. Será preciso esperar o andar da história para que reflita os pormenores da concepção clariana do trabalho.
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