"Certo que quero, meu pai".
"Num dos bosques que cercam o eremitério de Gréccio há uma gruta semelhante à de Belém. Quereria representar a cena do Natal e ver com os olhos do corpo a pobreza na qual Jesus Menino veio ao mundo e como foi acomodado em sua manjedoura, ficando entre o boi e o asno. Tenho licença do santo Padre para fazer esta evocação da Natividade do Cristo".
"Compreendi. Deixa tudo por minha conta, meu pai".
Na noite de Natal os sinos do vale de Rieti bimbalhavam festivamente e os habitantes, avisados da nova celebração, acorriam das aldeias, dos castelos, dos casais mais distantes, pelos caminhos saibrosos, sob a cintilação das estrelas, pela noite gelada, mas límpida. Acorriam, levando oferendas como os pastores da Judéia, enquanto dos eremitérios de Fonte Colombo e de Póggio Bustone e de outros lugares vinham os frades em procissão, com tochas acesas, entoando litanias, meio devotos, meio curiosos da grande novidade. Mas quando entraram na gruta preparada pela solicitude de João Velita sob a ardente inspiração de São Francisco, ficaram encantados. Ali está sobre uma pedra para a celebração da missa a manjedoura com as palmas; ali estão o boi e o asno. Não está ainda o Menino, mas à Elevação descerá invisivelmente na Hostia e aquilo que falta, à visão da Virgem, de São José e dos anjos, supre São Francisco, que vestido solenemente de diácono, canta o Evangelho com voz tão musical, clara e harmoniosa, que lembra o Glória celestial que ressoou pelos montes da Judéia naquela noite. Fala depois da Natividade do Rei pobre com tal comoção que ao pronunciar a palavra Belém a sua voz treme como um balido, com tal fervor que a multidão arrebatada crê reviver, a treze séculos de distância, o princípio de nossa salvação. A noite corre toda em festa, toda a selva explende e canta, parece que Jesus Menino retornou realmente sobre a terra.
E alguém o vê. Naquela palha em que os olhos não encontram a sua carne em flor, o beato francisco vê um renascido branco e gélido como um pequenino morto. Toma-o nos braços, aperta-o ao coração, aquece-o, anima-se, abre os olhos, acaricia com as mãozinhas o rosto exangue do seu Pobrezinho. E se São Francisco fala por modo que a todos comove, se sua voz treme como um balido, se sua palavra faz reviver nas imaginações Jesus pequenino qual se estivesse presente, é porque para ele está a divina criança de fato presente, é porque seus braços o apertam, seus olhos o vêem e seu coração se funde de amor e gratidão.
São Francisco de Assis - Maria Sticco - 4ª edição - Editora Vozes - 1974.
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