Estando agora livre dos laços que o prendiam aos desejos terrenos, em seu desprezo pelo mundo, Francisco abandonou a cidade natal e procurou um lugar onde pudesse ficar a sós, alegre e despreocupado. Aí na solidão e no silêncio poderia ouvir as revelações secretas de Deus. Ia dessa forma pela floresta, alegre e cantando em francês os louvores do Senhor, quando dois ladrões surgiram do cerrado e caíram sobre ele. Ameaçaram-no e perguntaram quem ele era, mas ele respondeu corajosamente com as palavras proféticas: "Sou o arauto do Grande Rei". Bateram nele e o lançaram numa fossa cheia de neve, dizendo-lhe: "Fica por aí, miserável arauto de Deus". Francisco esperou que fossem embora, saiu da fossa, alegre, recomeçando com mais ânimo ainda sua canção em honra do Senhor (S.Boaventura - Legenda Maior, Cap.2, 5).

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

“Entre o amado e o amante” Texto de Frei Almir Guimarães, OFM Jesus no alto da cruz! Jesus abandonado. Jesus sozinho. Jesus e seu coração dilacerado. Jesus que cativa e que ama. Jesus que pede a resposta de amor numa vida de entrega a ele, de seguimento de seus passos. A devoção ao Coração do Redentor é feita para pessoas que amam de verdade, que sabem dar a vida pelos outros, como esse Amado no alto da cruz. Quero partilhar com todos um texto de Balduíno de Cantuária (sec.XII) (L.Horas IV, p. 60). É a fala de Jesus, o Amado, que busca o amante. Estamos diante da loucura do amor. A fala do Amado: “Ama-me como eu te amo. Conserva-me em tua mente e em tua memória; em tua vontade, em teu suspiro; no gemido e no soluço. Lembra-te ó homem, de que forma te fiz, quando te pus acima das outras criaturas, com que dignidade te enobreci, como te coroei de glória e de honra, coloquei-te pouco abaixo dos anjos, como tudo submeti a teus pés. Lembra-te não apenas de quanto fiz por ti, mas quantas crueldades e afrontas por ti suportei. Reconhece que ages mal contra mim quando não me amas. Que assim te ama, senão eu? Quem te criou, senão eu? Quem te remiu senão eu?” A fala do Amante: “Arranca de mim, Senhor, o coração de pedra. Tira o coração de pedra, tira o coração incircunciso; dá-me um coração novo, coração de carne, coração puro! Tu, purificador dos corações e amante dos corações puros, apossa-te de coração e nele habita, envolvendo-o e enchendo-o. Tu, superior ao que tenho de mais alto, interior ao que tenho de mais íntimo! Tu, forma da beleza e selo da santidade, marca meu coração com tua imagem. Sela meu coração sob tua misericórdia, Deus de meu coração e meu quinhão, Deus para sempre (cf. Sl 72,26). Amém”. O amante contempla o amado do coração dilacerado. Une-se ao Cristo esposo na solidão e no abandono da cruz: “O que dá valor redentor ao suplício da cruz é o amor e não o sofrimento. O que salva a humanidade não é algum “misterioso” poder salvador contido no sangue derramado diante de Deus. Por si mesmo, o sofrimento é mau, não tem nenhuma força redentora. Não agrada a Deus ver Jesus sofrendo. A única coisa que salva no Calvário é o amor insondável de Deus, encarnado no sofrimento e na morte de seu Filho. Não há nenhuma força salvadora, a não ser o amor. O sofrimento continua sendo mau, mas precisamente por isso transforma-se na experiência humana mais sólida e real para viver e expressar o amor. Por isso, os primeiros cristãos viram em Jesus Crucificado a expressão mais realista e extrema do amor incondicional de Deus para com a humanidade, o sinal misterioso e insondável de seu perdão, compaixão e ternura redentora. Somente o amor incrível de Deus pode explicar o que aconteceu na cruz. Somente a sombra luminosa da cruz pôde surgir a transcendental e milagrosa afirmação cristã: “Deus e amor”. E isto Paulo intui quando escreve comovido: O Filho do Homem me amou e se entregou por mim”. (Jesus – Aproximação histórica – Vozes, 2010, p. n 520). Extraído de: http://www.franciscanos.org.br/?p=47259